Dói-me o intervalo que há entre o que pensais e o que dizeis… […]
Não sei que é isto mas
é o que sinto…
Fernando Pessoa, O
Marinheiro
fotografia de eurico portugal
perguntas-me
o que sou capaz
de ainda
reconhecer.
desvio-me da
pergunta
como quem
tropeça,
evito os
estilhaços
e volto-lhe
as costas
[toda a
linguagem queima quando
desferida
por lábios
a afiar as
lâminas dos deuses].
para trás, a
certeza de
de uma
distância percorrida
devagar por
nunca saber o que respira entre
as palavras
e o horizonte que as
delimita,
dois ou três
livros sublinhados
pelo olhar,
tardes
esquecidas que vieram comer
a luz,
copos a
vigiar a noite
e um
silêncio, como os cabelos,
estendido
por fora da gola
e de alguns
flocos de frio tombados.
de tudo te
escondi:
álcool,
poemas, palavras azuis, chão,
cães e ruas a farejar
nomes
um espelho
vazio e alguns
[mais do que
desejei]
agora não, depois sim, talvez mais logo,
de tudo fugi
e só a quase nada
deixei
debicar migalhas
de certezas.
que é feito do
tecido com poros
escancarados
à espera que
a noite selasse palavras
em
dissolução lenta, rasteira,
quase
invisível na mudez
de mim?
escondemo-nos
num silêncio
que talvez
nunca tenha sido
nosso,
tantas vidas
esquecidas
e o olhar de
costas para a porta que teima
em permanecer
fechada…
ambos
dissemos já o silêncio. e agora repetimo-lo
com todas as
palavras.