quinta-feira, 20 de março de 2014

pedras da calçada da vida adentro [X]


nada do que morde me leva o lábio...
Jorge Pimenta



I. O medo das palavras que não sei dizer

É assim o silêncio, cúmplice do tempo  a desflorar pétalas e a calçar sombras no abandono da idade.


fotografia de jorge pimenta



II. À mesa do tempo

Deixa a vaga de silêncios adornar a pele, assomando sulcos por cada letra trémula no vocabulário das mil e uma mentiras. Schiu... escuta o silêncio porque tudo em que crês é surdo, seco, sórdido como o oceano e aquelas palavras que a idade retém na boca para não coagular lábios. Psssst, dá-me a tua mão, enquanto esboçamos, juntos, percursos para a ilusão, devagarinho, sem ruído, não vá a nossa ousadia acordar o tempo.


fotografia de jorge pimenta



III. A arquitetura do ser

Na simetria dos passos, rostos vendados a dissipar labirintos e presságios enquanto recolhem as linhas que perderam na travessia da noite.


fotografia de jorge pimenta



IV. A trilogia da espera

Quanto de mim fica no tanto que em ti parte?...


fotografia de jorge pimenta




sexta-feira, 14 de março de 2014

miados para pele branda e seus fulgores


Em abril de 2013, foi assim, num texto que dediquei à Tânia Regina Contreiras:

Hoje acordei com gatos e os seus gemidos a amparar a pele e seus fulgores. O texto nasceu numa lógica experimental e tem que ver, numa primeira linha, com o delírio da imaginação e com o poder do sonho nos projetos e nos fracassos. Num segundo momento, e de forma mais subtil, o gato, na pele de uma mulher de um ontem que talvez nunca tenha sido.

Hoje, pela primeira vez no Orvalho, mas com a dedicatória com que nasceu:
a ti, Taninha!


fotografia de jorge pimenta


miados para pele branda e seus fulgores

trago gatos nas mãos
a trepar candeeiros do cimo da rua
onde baloiço o corpo
como naves seguras nas vagas do fim do dia.
percorrem-me
de um hemisfério ao outro,
miando papoilas com que seduzem o sol (lá fora)
e o sal (bem ali, no lugar do suspiro que mata
devagarinho).
umas vezes paro, outras ignoro-os,
mas em todas se fazem estátuas antigas
impacientando palavras e adivinhando
a escuridão.
no duelo imóvel esgrimindo olhares,
sinto as fábulas que li e que me sabem
cada vez mais seco, quase objeto
a secar lábios e beijos.
corro para a porta e,
sem os ver,
sei-lhes as sombras que me seguem
as sombras que um dia morreram a boca
e me ataram definitivamente ao silêncio branco a que
chamamos casa,
essa casa onde tu és apenas silhueta
de fulgor brando com que as manhãs
me acendem todas as candeias.

olho pela janela e estou só,
menos só, talvez, do que ontem
e em todos os dias que te ousei escrever.


sexta-feira, 7 de março de 2014

um rasto de chuva para invenção de nomes e orvalho


I.

Hoje, escondo a chuva que me existe velozmente, tapo o rosto num véu de rosas e deixo que o vento me indague, olho nu e ausência de mãos.
Nada sei já senão a vaga certeza da ciência dos naufrágios, leve sombra inocente a decidir florescências de quem leva ao coração a fúria de passos que espalham e não encontram.
Ainda assim, tanto há que ainda me respira...


fotografia de jorge pimenta


II.

Silêncio vertical sobre duas pingas de solidão enquanto o teu nome permanece gravado na tela de um guarda-chuva.


fotografia de jorge pimenta