sexta-feira, 25 de abril de 2014

pedras da calçada da vida adentro [XI]


I. Mil e uma faces

Os rostos escondidos, sabemos da morte do tempo com que sugámos a veia e os corpos, na avenida dos dias, são somente fragmentos a atropelar silêncios.
Neste ciclo vicioso do sangue, algum dia regressaremos?


fotografia de jorge pimenta



II. Peregrinação: a linha ininterrupta

Uma praça vazia, a geometria dos homens a oscular deuses, um livro aberto sobre a chuva e toda a existência de pedra estendida até aos ossos da voz: entre mim e o meu silêncio, estou só, nesse lugar sagrado onde até as aves deixaram de morrer.


fotografia de jorge pimenta



III. Epitáfio

Na ordem do mundo, somos luz sobre todos os lugares onde o corpo aprende a morrer.


fotografia de jorge pimenta



IV. Mapa de pele

Quanto nos cabe no beijo quando o lábio nos atira para lá da ferida aberta? Dentro de nós, perco-me num balanço algures entre a noite e a alvorada.


fotografia de jorge pimenta


sábado, 12 de abril de 2014

ode ao [im]possível e a outras transcendências


É apenas isso. Dorme. Talvez amanhã,
subitamente, o mundo nos pareça perdoável.

Manuel de Freitas, Lawrence's, quarto tradição



fotografia de jorge pimenta

onde o coração da terra
e as moradas sem inverno
nem rimas cansadas?
onde a raiz sem medo e
os silêncios talhados pela voz
feminina?
onde a casa e o
perfume áspero da madeira?
onde tu
ventre ileso na luz
a fervilhar pelos corpos
habitados por dentro?
onde os lugares que
no amor
nascem e morrem sem ruído?

somos o tempo por habitar
e uma leve vontade de enlouquecer
na estrada irreprimível do poema:

só o verso celebra o que
os homens extinguem.


sábado, 5 de abril de 2014

dúvidas para existência feminina e alguns nadas



sou eu
que habita a capital
do teu poema
num prédio
mal iluminado.

Ana Salomé, Ode do casaco vermelho


fotografia de jorge pimenta


de que gesto te serves para
lhe chegares ao corpo
impresso de ambos os lados?
quantas mentiras chamas às mãos
no palco da feminina melancolia
a escalar desejos
e impossíveis?
onde o viés da coxa
espetada no centro,
tensa, peregrina, mulher
por entre gemidos e espanto?

é verdade,
as palavras dispersam primaveras
e os silêncios também morrem
de amores
como os homens
reclamando sucos
gritando vertigens
empurrando a carne para despistes
e todo o corpo de encontro ao muro
que disseste sábio e transparente
como línguas a ocultar promessas

por debaixo da pele
cingida no elástico da cinta
onde navios adivinham
o porto em que podem morrer
estremeço:

- quem serás tu,
afinal?

o cabelo solta-se
descobrindo uma paisagem
inabitada a oeste da anca
como se tudo o que se espera
fosse demasiado:

- apenas certeza e quase mulher
a dar de mim o que já não posso.

e nesse dia descobrimos ambos:
todos os livros guardados na mesinha de cabeceira
são anteriores ao tempo
mas nunca partem para longe.